Em um universo musical historicamente marcado por vozes masculinas, a cantora e empresária Karinah tem ampliado os horizontes do samba contemporâneo com autenticidade, força e um olhar voltado à transformação social. Ao aliar talento artístico e visão empreendedora, ela se posiciona como uma das grandes líderes de uma nova era do samba — uma era onde as mulheres não apenas cantam, mas também comandam os bastidores e inspiram mudanças profundas.
Natural de Curitiba, com raízes formadas entre Santa Catarina e o Rio de Janeiro, Karinah construiu sua trajetória com a mesma intensidade que imprime em suas canções. Desde cedo, enfrentou barreiras que a fizeram amadurecer mais rápido que a maioria — desafios que deixaram marcas, mas também moldaram seu compromisso com causas que vão além da música. Criada por mulheres resilientes, atravessou perdas, chegou a viver em um internato, e mesmo assim nunca perdeu o impulso de se reinventar.
Karinah não se limita ao microfone. Seus passos nos bastidores a tornaram referência também como produtora e empresária. Com três álbuns de estúdio, projetos audiovisuais e parcerias com ícones como Alcione, Xande de Pilares e Sorriso Maroto, sua voz ganhou amplitude nacional. Mas o que a torna ainda mais singular é sua atuação como catalisadora do empoderamento feminino dentro do samba — gênero que, por muito tempo, ofereceu pouco espaço para mulheres assumirem papéis centrais.
Seu mais novo trabalho, iniciado com o single “Sou do Povo”, reúne direção musical de Max Pierre e direção artística de Zeca Pagodinho, que reconheceu na artista a mesma potência que Beth Carvalho viu nele no início da carreira. Não se trata apenas de um apadrinhamento simbólico, mas de uma continuidade histórica onde o legado feminino se mantém vivo e pulsante, mesmo diante dos obstáculos.
Em turnê com Alcione durante o ano passado, abrindo mais de 30 apresentações, Karinah mostrou ao público a potência de uma mulher negra em pleno domínio de seu ofício, com presença de palco, voz marcante e repertório que honra as raízes do samba sem se afastar da contemporaneidade. Seu trabalho carrega elementos clássicos do gênero, mas se comunica com novas gerações — e isso não é por acaso: é resultado de uma construção consistente, pensada, e que mira longe.
O samba, enquanto expressão cultural de resistência e identidade, tem sido ao longo das décadas um espaço de afirmação e voz para as comunidades. Mas no que se refere às mulheres, ainda há muito o que conquistar. Karinah é uma das artistas que vêm, dia após dia, empurrando essas fronteiras. Sua trajetória é, por si só, um manifesto silencioso — mas poderoso — sobre a importância de ocupar espaços com dignidade, talento e coragem.
Sua atuação vai além da música. Como madrinha do Programa Social da Mangueira e apoiadora de iniciativas como a CUFA e o Instituto Zeca Pagodinho, ela transforma arte em ferramenta de impacto social. Suas ações demonstram que protagonismo, para ela, não se limita ao palco. Trata-se de construir pontes, abrir caminhos e garantir que outras mulheres possam sonhar — e realizar.
Num cenário onde o samba ainda é desafiado a romper suas próprias barreiras de gênero, Karinah surge como um farol. Sua presença ressignifica o papel da mulher sambista, não como coadjuvante, mas como protagonista. Mais do que cantar, ela conduz. E nessa condução, aponta para um futuro onde o samba será, cada vez mais, a casa de todas as vozes.