São Paulo, 4 de fevereiro de 2025 — Em resposta às declarações do prefeito Ricardo Nunes sobre a situação das enchentes que há quatro dias assolam o Jardim Pantanal, na Zona Leste de São Paulo, organizações da sociedade civil criticam a proposta de remoção de moradores como solução para os alagamentos recorrentes na região. Especialistas em justiça climática e direito à cidade do Greenpeace Brasil e da Rede por Adaptação Antirracista alertam que a declaração reforça um histórico de racismo ambiental e negligência do poder público com territórios periféricos.
O prefeito Nunes alegou em entrevistas no final de semana que a construção de um dique para contenção das águas na área custaria mais de R$ 1 bilhão e que “não vale a pena” esse investimento, sugerindo que a solução seria a remoção dos moradores: “aquelas pessoas vão ter que sair dali, não tem jeito”, disse Nunes à imprensa. O vice-prefeito, Coronel Mello Araújo, também declarou que a única solução definitiva seria “devolver à natureza o que pertence a ela” e retirar as famílias do local.
“É injusto e violento optar por remover as pessoas do seu território por causa das chuvas, ao invés de investir em obras de prevenção e sistemas de drenagem no local. A situação das enchentes no Jardim Pantanal é histórica, assim como a negligência do poder público com as famílias que moram naquele território há mais de 40 anos. O que traz segurança para a vida das pessoas frente aos eventos extremos é implementar medidas eficientes de prevenção e adaptação climática, e não removê-las de um local para outros”, alerta o porta-voz da campanha de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus.
Jesus destaca que a prefeitura tem o dever de garantir condições dignas de moradia e infraestrutura para a população.
“A população tem o direito de permanecer no seu território, e a prefeitura de São Paulo tem o dever, conforme o artigo 167 da Lei Orgânica Municipal, de garantir condições habitacionais e de infraestrutura que assegurem a dignidade humana, especialmente no contexto de eventos climáticos extremos. O que não vale a pena é ver, ano após ano, famílias negras e periféricas perderem tudo sem qualquer resposta efetiva do poder público”, afirma Jesus.
A Rede por Adaptação Antirracista, composta por mais de 50 organizações, que trabalham com incidência política na agenda de adaptação climática, reforça que a solução para os alagamentos deve passar por políticas de infraestrutura urbana e planejamento adequado dos reassentamentos, quando inevitáveis.
“Quando dizemos que a adaptação climática precisa ser transformativa e antirracista, queremos apontar que soluções sustentáveis envolvem planejamento participativo, que leve em conta os direitos da população afetada. Anunciar a remoção forçada como única alternativa é perpetuar o racismo ambiental e o ciclo de marginalização urbana”, afirma o posicionamento da Rede.
Contexto
O Jardim Pantanal é uma das áreas mais afetadas por enchentes em São Paulo, historicamente habitada por famílias de baixa renda, majoritariamente negras. Segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB), grande parte da região está em área inundável, mas, apesar disso, pouco foi investido em soluções eficazes para mitigar os impactos das chuvas.
O plano de bairro do Jardim Pantanal, elaborado pelo Instituto Alana em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo e moradores, também aponta medidas e tecnologias existentes que podem ser utilizadas para mitigação e contenção dos alagamentos existentes, como a recuperação do rio Tietê a partir da recuperação da sua mata ciliar, a implementação de infraestrutura verde como bacias de retenção, alagado construído, biovaletas, pavimento permeável, entre outras medidas, além de ampliação do recurso de prevenção em áreas consideradas suscetíveis a inundações, com recursos para obras de sistemas de drenagem, monitoramento de desastres e ações preventivas contínuas de limpeza de córregos e bueiros.
As declarações do prefeito e do vice-prefeito de São Paulo podem ser conferidas nas reportagens publicadas pelo G1 e pela Rádio Bandeirantes.
Racismo Ambiental
No Brasil e no mundo todo, quem mais sofre com eventos climáticos extremos e com crimes ambientais são as populações étnico-raciais em situação de vulnerabilidade.
Diante deste contexto, o ativista afro-americano e defensor de direitos civis Benjamin Chavis cunhou o termo “racismo ambiental” para descrever o processo de discriminação e injustiças sociais que populações compostas por populações étnico-raciais sofrem, devido à degradação ambiental e em decorrência da crise climática.
Sobre o Greenpeace Brasil
O Greenpeace Brasil é uma organização ativista ambiental sem fins lucrativos, que atua desde 1992 na defesa do meio ambiente. Ao lado de todas as pessoas que buscam um mundo mais verde, justo e pacífico, a organização atua há mais de 30 anos pela defesa do meio ambiente denunciando e confrontando governos, empresas e projetos que incentivam a destruição das florestas.