Para ganhar movimento, a palavra dança precisa ser grafada com as curvas da letra “s” — e não com “ç”, como é registrada na forma culta da língua portuguesa. A partir dessa ideia poderosa e divertida da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), o músico, compositor, arranjador, pianista e cantor mineiro Rafael Macedo concebeu o álbum “Talvez uma dansa” (2023), lançado em LP e nas principais plataformas de streaming de música pela Rocinante (escute aqui).
O disco, repleto de deslocamentos musicais, com composições que colocam berimbau e violino no mesmo prumo, por exemplo, é a base para uma série de shows inéditos que o artista realiza em Belo Horizonte, entre setembro e outubro. A próxima apresentação acontece no dia 19/9, quinta-feira, às 20h, no Teatro Raul Belém Machado. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada) e podem ser adquiridos neste link.
Segundo Rafael Macedo, a ideia de unir instrumentos de universos aparentemente díspares ou até antagônicos é resultado de uma busca intensa de sua movimentação universal em relação à música, com influências que vão do Manguebeat a Villa-Lobos — daí um dos lampejos para o conceito de dansa em sua mais recente obra. “Eu queria que a ideia de dansa com “s” sugerisse o movimento que a Sophia (poeta portuguesa) defende. Depois até fui revisitar Guimarães Rosa e ver que ele grafava assim também a sua dansa. Ótima companhia para o baile dos corpos ouvintes”, diz o músico.
Gravações
“Talvez uma dansa” foi gravado no estúdio New Doors Vintage Keys (NDVK), em Belo Horizonte, com direção artística e musical de Rafael Macedo, sob a batuta do engenheiro de som e técnico de gravação Pedro Durães, e em parceria com Thiago Amud, músico e produtor carioca que trabalhou com nomes como Milton Nascimento, Alcione, Guinga e Francis Hime. Para além do nome, o disco, lançado em formato de vinil com 10 faixas, brilha pela riqueza de instrumentos diferentes reunidos em um mesmo movimento musical, embora exposto em muitas facetas diferentes.
Ainda que seja estruturado a partir de um quarteto de câmara, no álbum, violino, piano, viola de orquestra e contrabaixo, comuns em formações sinfônicas, dialogam com cuícas, berimbaus e pandeiros, populares nas rodas de samba e em outros gêneros tradicionais brasileiros. Essa união ainda recebe o tempero de timbres mais raros, como da flauta japonesa, conhecida como shakuhachi; do címbalo húngaro, instrumento de cordas tocado com baquetas, cuja sonoridade remete vagamente às caixinhas de música infantis; e do crótalo, instrumento que se assemelha a uma espécie de percussão metálica, tendo a sua origem registrada desde a Grécia Antiga.
“O disco e minha escrita nele contém o desejo de conjugar esses universos instrumentais que tendem a aparecer separados, em gêneros musicais muito distintos. Ou seja, viola é pra aparecer em música ‘erudita’, e cuíca, no samba. Sim, é isso [pra muita gente] e quem sou eu para dizer que agora não será mais assim. O que quero dizer, indo mais direto ao ponto, é que gosto muito de que as coisas ‘prontas’ se ressignifiquem”, avalia Rafael.
Shows
A pluralidade sonora dos instrumentos que dão alma ao disco é um dos desafios para os três shows que Rafael Macedo realiza na capital mineira. Para as apresentações, ainda que em formato mais enxuto do que no álbum, Rafael estará acompanhado por uma formação expansiva, com sete instrumentistas e cantores, incluindo Ayran Nicodemo (violino/voz), Joana Boechat (piano/voz), Kamila Druzd (viola), Nat Mitre (percussão), Sylvia Klein (canto), Alberto Fernandes (contrabaixo) e Zé Soares (percussão).
“É sempre uma aventura, as músicas exigem cada uma um tipo de abordagem. Mas gostamos do que fazemos e isso se torna um desafio prazeroso e estimulante. O disco não será tocado na íntegra porque há músicas que não condizem com adaptações de nenhuma ordem ou que precisam de um grupo bem maior. Preferi trocar por outras músicas, que também estão se conectando muito ao repertório”, justifica Rafael. O show ainda inclui releituras de Nelson Cavaquinho e Chico Buarque, em arranjos assinados por Rafael Macedo, e outras músicas inéditas do mineiro apresentadas ao vivo pela primeira vez.
Influências poéticas
Além das referências poéticas de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Guimarães Rosa — que endossam a dansa com “s” de Rafael Macedo e todos os movimentos que ele propõe em seu novo disco — o álbum também conta com outras inspirações nascidas diretamente dos poemas, acrescentando aspectos filosóficos às músicas. A faixa “três” é uma espécie de conversa com os escritos do poeta gaúcho Paulo Leminski (1944-1989).
Já em “do instante”, dois versos emblemáticos do poema “Instante”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), são musicados na voz de Lívia Nestrovski, acompanhada apenas de piano e violino: “o que se desatou num só momento / não cabe no infinito, e é fuga e vento”. Além de Lívia, Rafael também divide os vocais com a cantora Jhê, o cantautor Kristoff Silva e um coro lírico feminino de dez vozes.
Este projeto é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e possui o patrocínio do UniBH.
Rafael Macedo
Multiartista que se divide nas tarefas de compositor, cantor, pianista, arranjador, produtor musical e professor, Rafael Macedo tem uma carreira de mais de duas décadas de estrada. Formado em Educação Artística com Habilitação em Música pela UEMG, o mineiro possui quatro projetos autorais no currículo, e é considerado uma espécie de poeta-alquimista de Minas Gerais para o mundo, dotado de uma forte inclinação para ressignificação de sonoridades e de uma personalidade que levou Hermeto Pascoal a observá-lo como alguém que “não é do tipo que precisa se misturar para aparecer”.
Além de Hermeto Pascoal, Rafael Macedo dividiu o palco com Toninho Horta, Gabriel Grossi, Benjamim Taubkin, Juliana Perdigão, Kristoff Silva, Rafael Martini, Grupo UAKTI, uma das principais referências no mundo em música instrumental e criação de novos instrumentos e pedagogias musicais, entre tantos outros artistas.
Por seu trabalho como compositor, foi agraciado em duas edições do Prêmio BDMG Instrumental (2006 e 2013) e pelo Circuito Funarte de Música Popular (2010). Enquanto arranjador, colaborou em obras de diversos artistas da cena belo-horizontina, como Graveola, Leopoldina Azevedo, Leonora Weissmann, Coletivo Ana e Edu Pio. Na produção musical, trabalhou em discos da Misturada Orquestra e da cantautora Sofia Cupertino.
SERVIÇO | Rafael Macedo apresenta “Talvez uma dansa”
Quando. Quinta-feira, 19/9, às 20h
Onde. Teatro Raul Belém Machado (R. Jauá, 80 – Alípio de Melo)
Quanto. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada). Venda online neste link